Plim
Não estou mal, conquanto me lembre agora que sou um cara de trinta e quatro, classe média num bairro de classe média paulistano (o adjetivo serve tanto pro bairro quanto pra mim). Sou um advogado caipira que trabalha numa prefeitura de uma cidade pequena, ex-professor, filho da melhor mãe do mundo, irmão dos dois melhores irmãos do mundo e casado com a protagonista das minhas comédias românticas preferidas. Feitor de não poucas besteiras, todas elas consertadas por uma equipe master de anjos, que se esbodegam no céu pra costurá-las por mim, de modo a que eu persista no caminho.
Tenho amigos que me carregam nos braços, um dos quais absurdamente chato, quase caricato, de cerquinha baixa com a bandeira norte-americana fincada ao lado da caixa de correios, que cortam grama nos fins de semana, comem panquecas no café da manhã e mandam sms durante os jogos de futebol, mas, fazer o que, é um dos meus melhores amigos. E me carrega, como os demais, ainda que não mais povoemos a casa dos meus pais, ou a dos pais deles, nos finais de semana, planejemos viagens e façamos tantos churrascos. Eles, ainda de longe e fazendo tanto tempo, me carregam.
No filme, o ator era um arquiteto que adquiria um controle remoto universal. Cheguei a berrar extasiado no comecinho, pra minha protagonista vir ver o que o treco fazia com as esposas que discutiam com os maridos. Na verdade, era um controle pra vida dele e, muito bacaninha , no final, a vida do cara ia passando sem ele aproveitar. Usava a expressão "no piloto automático" num irritante número de vezes, que te chegava a cutucar.
O filhadaputa do diretor me causou muita inveja uma hora, quando permitiu ao ator com seu controle remoto universal voltar a cena da última vez que conversara com seu pai, podendo assim falar o que não havia dito: que o amava muito. E, aqui, de novo, eu chateio quem me ler, pra falar agora pros seus pais e mães que os amam. Falem sempre, sem desculpas pra não externar. De boa, eu prefiro fazer essa campanha à de preservação a amazônia (elipse - essa foi a zappa, não a madre edith).
Quinta completam-se dois anos que meu pai morreu. Elipse é a supressão de uma palavra facilmente subentendida. Meu pai é facilmente subentendido nas minhas melhores aspirações, ele é o meu dever-ser, com o foda-se ligado grandão pra todas as correntes psicanalíticas unidas. Penso nele todos os dias desde então. Ele me dizia que pensava no pai dele todos os dias e eu duvidava. Pff. As cenas que estão me vindo, vocês vão me desculpar, mas eu não vou escrever dessa vez (voltei pra dizer que egoisticamente senti).
Eu não tenho o controle remoto universal e vou ficar com essa vontade engasgada de te abraçar, fazer o quê. Tomara que tudo o que me dizem, e eu creio daquele jeito, aconteça mesmo. Alceu: tomara meu Deus tomara...
Fato é que vim aqui pra dizer que renego o controle da vida. Renego, renego, renego. Jogo no lixo, no bueiro, defenestro-o. Já no dia de Tiradentes, mártir da liberdade, dou-me livre à vida. À minha vida certinha, amena, anônima, eu me entrego, com força. Ah, mas vou ser muito xingado agora pela minha protagonista, no décimo sono, mas eu preciso dizer que a amo. E xiu vocês que a conhecem, não contem que escrevi isso aqui, pois ela proibiu. Porque no filme, vc saca desde o início, era tudo sonho. Aqui não repete não, meu nego. A gente se vê por aqui; plim.