terça-feira, abril 26, 2011

OUTONO V - A TAPERA

Minha avó Olga me pegava pelas mãos para ver os sapos. As lagartixas, víamos através do vidro da janela da cozinha. Daí eu entender o medo das pessoas por esses bichos. Não tiveram as avós Olgas que as pegassem pelas mãos.
Minha avó chamava a sua casa de tapera.
É como chamo o lugar de onde escrevo agora.
Mudei quinta passada. Semana Santa. O dono do caminhãozinho: Jesus. Jesus mudou-me na Semana Santa. Jesus Longo. Não pergunte. É como se apresenta.
Estou na minha tapera.
Minha namorada me atenta para o fato de termos tido já nossos apartamentos.
Mas não eram, namorada.
Eram do meu sogro. Da casa de Atibaia, tenho um jurídico terço de metade. Do apartamento de São Paulo, semelhantes vinte jurídicos por cento.
Mas a tapera é minha (embora pague por ela apenas [e módico] aluguel).
Não me sinto mais o rei, a partir da varanda do post famoso.
Eu sou o possuidor da tapera.
Tenho jurídica totalidade da posse.
Sinto-me confortável aqui. Embora passe a pão com polenghi, dada a ausência de microondas, geladeira e gás do fogão.
Ah, o gás chegou.
Confesso: vasculhei o quintal atrás de ovos eventualmente postos pelas galinhas que lá ciscam. Mas são umas galinhas mesmo, como me disse alguém legal: ciscam no meu quintal e vão botar os ovos no vizinho, que as deve acolher com aconchegante galinheiro.
Tomara a raposa, ingratas!
Vim aqui com propósito definido.
Embora haja o antipropósito.
E o convívio pacífico das possibilidades.
Não lembro de ter sentido tamanha tranquilidade.
Conjunção de fatores, conjunção.
Não vi sapo na tapera, tampouco lagartixa.
Fiquei feliz ao ouvir de minha colega, filha da corretora, explicar à mãe, que temia pela simplicidade da tapera: ele é uma pessoa sofisticada, é todo tecnológico, tem uma pajero, mas vai aos extremos. Vai da degustação do Fasano ao pesqueiro do mandioquinha e se dá bem com tudo (eu acrescentaria: sente prazer em ambos).
Conversa com todos, convive com todas as tais tribos.
Valeu, moça bonita.
You got it.
Não vi até agora sapos, tampouco lagartixas.
Mas revejo minha avó Olga, aprovando Phoenix. Os dez últimos anos de sua vida numa cama, na minha casa, sem lucidez. E eu te lembro de antes, vó. De quando, para os atônitos por sua anterior braveza, mantinha uma parede à disposição das minhas pinturas.
Talvez eu grafite uma parede daqui da sala em tua homenagem, vó.
Mas agora eu faço apenas os desenhos que o tio filo ensinou, no coração.
Pra vc.
Da tapera.
Numa noite de outono.
*******
E vc, hein?
Foi no outono que vc se foi. No dia de São Jorge. Caiu no sábado. Saudade, saudade. Olhei pra esquerda e constatei que veio de vc meu gosto pela simplicidade. Atrás de mim, os livros. A mesa em "L" do nosso escritório. Que saudade. Talvez não chore dessa vez. Todos os dias, TODOS os dias, eu penso em vc. Não vem dor, ainda bem. Tinham dito que a dor não passava. A minha dor passou. Fica esse apertinho no peito, essa vontade de ouvir tua voz. Tenho umas gravações, aparece vc perguntando de um botão, não sei bem. Fico voltando umas dez vezes. Tem as fotos. Tem os vídeos. Tem as pessoas que até hoje me param no Fórum e falam "ah, no tempo do teu pai". Aquele pulha, fiquei sabendo hoje, se refere a mim como "O Atibaia". Liga não, aí em cima vc deve ter apenas bons pensamentos. Talvez vc esteja me incutindo isso agora - e não o contrário. Mal sabe ele que amo Atibaia. Vc me fez sair da minha então Socorro pra mudar naquela cidade estranha, que hoje é minha Atibaia, fiz até blog com esse nome. E me tirou a cidade Natal, pra me dar em troca o Eixo Natal, de São Paulo a Socorro. Fiz um puxadinho pra cá. Onde fica a minha tapera e onde passo meu primeiro outono pós-casad0-namorando. Que saudade. Tá tudo indo bem, melhorando, vc vê, né? Eu tenho lido aqueles livros, têm virado minha cabeça, vc vê também, né? Quando chegar minha hora, me recebe com abraço? Às vezes sinto que não demoro muito, às vezes sinto que vou depois dos 90. Como será vc me receber mais velho que vc? Vc deve estar aprovando minha namorada. Lembra o que falaram pra eu fazer com vc? O tal terapeuta holístico? Viu o que fiz com ele? Fui mais uma sessão e vim ser eu. Não adianta, pai. Vc sabe que posso virar a mesa a qualquer momento. Mudei demais. E eu sei que vc sabe que eu sei que vc sabe... rsrs. Risos, pai. Rsrsrs são risos. Voa, São Jorge, voa em seu cavalo alado, me protege aí do céu. Respiro outonal e sincronicamente à parte exultante da música de Phoenix. Love like sunset. Te amo.

sexta-feira, abril 08, 2011

OUTONO - IV

Esse é um texto para mim mesmo. Será longo e enfadonho, advirto. Sei vagamente algumas coisas que ele conterá. Vamos a elas.
Ontem um rapaz entrou numa escola e matou, até agora, 11 adolescentes. Andam comparando com Columbine. O Sarney, consternado, culpou a venda de armas e questionou o plebiscito. Andam fazendo tiradas supostamente inteligentes de todos os aspectos. O Bono lamentou com a Dilma o ocorrido e certamente aludirá a isso no show amanhã (e será sincero).
Terça-feira eu disse na repartição em que trabalho que gostaria de entrar em outra repartição com uma metralhadora e sair atirando em todo mundo. Obviamente, foi uma maneira sarcástica de criticar o mau serviço da outra repartição.
Mas existem outros fatores não tão óbvios.
Li há pouco que a guerra é um modelo mental.
E de novo o estado egóico (que alguns já estão ficando fartos de me ouvir falar) coletivo vem à baila. Quando um carro me fecha, quando alguém toma meu lugar, quando a outra repartição não entrega o memorial descritivo no prazo, o modelo de guerra assoma.
Penso não correr o risco de sair por aí atirando a esmo. Nem as pessoas próximas a mim o farão.
Mas o modelo de guerra não aparece apenas pelos aborrecimentos.
A alardeada (e meio fora de moda, já, de tão carne-de-vaca) meritocracia utiliza-o como combustível.
Eu mato um leão por dia. Eu enfrento o meu dia, pra ganhar o pão com o suor do meu rosto. Eu lido (lidar me lembra agora a lide de carnelutti, a pretensão resistida, que, por sua vez, me lembra agora a guerra) com meus problemas diários. Eu sou cercado inconscientemente e a todo momento pelo modelo de guerra.
Que saudades eu tenho do lema do aikido, quando acordava cedinho e repetia sincero: "seguindo as leis do universo, a cada dia seremos mais e mais felizes".
Mas aikido é uma arte marcial! Marcial vem de marte, o deus da guerra!
Assiste a algum video de aikido no youtube. Vê como se usa a força de um suposto oponente (ele faz parte da mesma unidade que vc... é e,com movimentos harmônicos, conduz a energia advinda para outro local. Vc pode matar alguém, mas vc pode apenas reequilibrar a energia e dar a chance para esse alguém ter outra escolha.
(ok, dei uma encurtada no raciocínio).
Vi numa manchete hoje: 11 anjinhos e um demônio.
Taquem pedras à vontade (modelo de guerra), mas só consigo ver 12 pessoas. Dá raiva em mim também, compaixão com a família, dúvida nas razões, nos motivos, dá tudo isso. Mas o fato de ontem é o reflexo de algo muito maior que vem ocorrendo a cada dia, há milênios e, desgraçadamente, vem se acelerando demais nos últimos tempos.
Não, eu não consigo entender. Religiões, maçonaria, estudos e reflexões particulares me são insuficientes. Uma pessoa matou onze outras, indefesas, supostamente porque sofreu bullying.
Bullying é uma violência e somos violentos. Várias são as gradações. Adoramos, semanas atrás, o video do gordinho sofrendo bullying que ergueu o magrinho folgado e arremessou-o ao chão. Enaltecemos Davi que venceu Golias. Exaltamos os bandeirantes. Vivemos a violência, escolhendo o lado do bem ou do mal, desde a infância. Isso está arraigado, na verdade, há milênios, seja nas nossas células, seja no nosso espírito, seja passado de geração a geração, como queiram. Existem muitos modelos de crenças, em cada prateleira.
Admito que não podemos exigir das pessoas viventes há mil anos atrás o pensamento crítico atual. Nossa prosperidade e pujança foram adquiridos graças a incontáveis guerras, com povos inteiros chacinados e dizimados. Mas hoje deveríamos ser diferentes.
Voltando, eu gosto de estudar os templários. E sou um atirador. Tenho uma arma muito bacana.
Mas eu sou do bem, sou um anjinho e só vou usá-la, um dia, contra um ser humano, para me defender, defender minha família ou o meu país.
Modelo de guerra.
As tardes de outono viram milhões de acontecimentos e estão aí, outonizando tranquilas a nossa violência incontrolável. Eu rezo, por meio desse texto, para as almas das vítimas, do atirador, das famílias das vítimas e da familia do atirador.
Consigo compreender a sabedoria do colega de classe (um menino de 23 anos) do atirador, que se sentia culpado, pois pessoas inocentes pagaram com a vida pelas brincadeiras de mau gosto que meninos e meninas fizeram com o atirador, já com seus problemas internos. Mas menino, vc não é culpado.
O mais difícil de aceitar é tão simples: não há culpa (joguem mais pedras, estado de guerra). Não há culpa.
Há a tarde de outono.
E meus pensamentos positivos para todos.