quarta-feira, dezembro 13, 2006

post promessa

agora não dá, mas prometo solenemente meu post que por enquanto é um título com um vazio embaixo: MULHERES GAÚCHAS. 75% dos blogs que leio são de mulheres gaúchas. 25% são um blog de gaúcho, de um buda gaúcho, mas ele não merece post, merece tapa na oreia, com carinho, é claro.
Digo isso, muito embora o longa que deu origem à série, chamado danifisha, seja uma gaúcha de araque. ela é carioca com alma de paulista, mas que fala "para ti". Vcs podem inverter os fatores, invariável é só o "para ti".

-2-

Vários indicativos davam a ele a convicção de que a menina poderia ser A Menina. o tom da voz remetia-o a uma fruta doce. os cabelos eram cacheados. a pele morena, os olhos castanhos claros. a risada gostosa. a inteligência nos comentários. a cor das unhas e a roupa. o perfume. era tudo coeso. nenhum excesso, nenhuma falta. ele se acomodou na cadeira e usufruiu o momento, respirando o ar que naquele instante estava por ali. brincou com a idéia de que havia respirado o perfume dela, quando ela e a irmã passaram a brincar com os canudos. a irmã tentava ensinar: aperta uma ponta com uma mão, com as unhas do polegar e indicador da outra, subia apertando, enquanto se assoprava o canudo. conforme o espaço do ar circulando no canudo diminuísse, o som que se formava ficaria mais e mais agudo. contudo, não havia meio de dar certo. riram uma risada tão gostosa que ele quis guardar um pouquinho da risada na latinha de coca light, tampar com o dedo e escutar de quando em quando, pro resto da vida. aquela presença era tão agradável, tão pertinho e, ao mesmo tempo, tão distante, já que eram desconhecidos. ele teria de dar um jeito naquilo e foi quando lembrou que era expert em assoprar canudos, oras bolas. aí começou o momento mágico:
- posso te dar uma dica?
- (silêncio e surpresa, acompanhados do sorriso mais lindo, mais franco, que uma desconhecida lhe dava nos últimos tempos. Quando fez que sim com a cabeça, os cachinhos pareciam molas, balançavam como se quisessem, eles também, a dica. todo o interesse do mundo coube naqueles olhos castanhos claros) ã-hã?
- é que vc está pondo o canudo na horizontal, fica melhor se vc colocar na vertical, com a pontinha encostando no teu lábio.
(pára tudo! que lábio! uma almofadinha desenhada artesanalmente por mestres sem discípulos, formato perfeito).
Irmãs entreolhavam-se e riam de novo, aquela mesma risada de guardar na latinha de coca light. a mãe procurava ver quem era aquele rapaz, não ria como as filhas, de início estava preocupada, mas o instinto maternal constatou que era boa gente. relaxou. de certa forma, aquelas meninas também buscavam, sem saber, a poesia dos momentos. Ao captarem-na, ficaram ainda mais felizes, isso foi plenamente perceptível.
- como faz? assim?
- não.
risos
- assim?
- não (fez menção de encostar o canudinho do jeito certo no lábio dela. conteve-se. essas travas sociais malditas). olha só, vou ver se ainda lembro.
tirou o canudo da sua latinha coca-light, essa mesma, novo lar da risada da menina linda. fez o movimento com maestria. não conseguiu assoprar, pois riu muito. olhou para as duas, riram os três. este, o núcleo do momento, prótons abraçados por neutrons, eletrons girando felizes. riram tanto, que todos os assuntos que jamais travarão tornaram-se secundários àquele riso. cumplicidade. ficou sério. canudinho a postos, assoprou e o assobio mais agudo que já dera ecoou na sala, os mais próximos viraram-se. e riram mais ainda. como já eram íntimos, ele soltou um aaaaaah loooooouco que as meninas pareceram achar simpático. a menina conseguiu lançar seu assobio, ficou feliz e agradeceu com os olhos e, claro, com aquelas pontinhas de lábio voltadas pra cima.
- olha a zélia duncan! ela bateu naturalmente nos ombros dele. zélia duncan, madrinha daquele momento.
apagam-se as luzes, inicia-se o filme. ambos se envolveram com as cenas que se sucediam. foram se esquecendo. o momento se espreguiçou, se aninhou e dormiu.
final do filme, elas se levantaram sem a pressa dos apressados, sem a lerdeza de quem finge prestar atenção no nome do entregador da pizza do contra-regra que subia nos créditos.
-tchau (aquela fruta doce, aqueles lábios, aquele sorriso todo, aqueles cachinhos, aqueles olhos).
-tchau.
suspiro de felicidade. eles nunca vão se reencontrar. ela pode nem ser de são paulo. ele parece ser. esse post vai descer, se aninhar e dormir, ao lado daquele momento. momento extraído de um sábado na cidade de são paulo, onde cabe toda a poesia do mundo, basta querer enxergar.

domingo, dezembro 10, 2006

-1-

Seu primeiro pensamento, antes mesmo de abrir os olhos, trouxe um pequeno sorriso. Era uma boa lembrança, uma boa maneira de se começar o dia, dez horas depois de começado. Olhou pra direção da claridade, certificou-se de que o sentimento de amor não voltara, respirou feliz e espreguiçou. Ao tirar a camiseta, irritou-se por prendê-la no eterno gancho das toalhas. Olhou os seios, imaginou-os maiores, depois menores, assim estava bom. A água deu-lhe prazer ao escorrer no corpo. Na mesa do café, sua mãe especialmente bonita. Que bom ter aceito prontamente o convite do cinema. Antes disso, revistas na beira da piscina. Almoço na beira da piscina. Planos para o futuro próximo e gostosa notícia, na beira da piscina: a irmã mais velha estava entrando em São Paulo, marginal tranqüila, iria ao cinema com as duas. Três para o céu de Sueli, obrigada. Duas cocas light e uma água, obrigada.
Ele pensou acordado e, ao abrir os olhos, preocupou-se. A necessidade premente de se estabelecer não poderia ocupar seu primeiro pensamento. Ele merecia algo mais dele. Prometeu não mais acordar em pensamentos tensos. A parede sem a foto dela ficou enorme, mas foi melhor assim. Um pensamento tenso a menos. Pensaria nela durante o dia todo mesmo. Sim, estava decidido. Acordaria, dali em diante, com idéias serenas. Trabalhou sem glamour das nove às seis e meia. Estava faminto, as bolachas perderam o efeito. Iria ao cinema. Uma para o céu de sueli, por favor. Obrigado.
Sentaram-se ao mesmo tempo, ela vindo da direita, ele da esquerda. Por pudor, uma cadeira vazia ao meio. Pessoas não paravam de entrar. Três lugares vagos entre ele e o corredor. Dois casais se aproximam. Por favor, vc poderia passar uma pra lá? Claro. Dá licença, moça, posso? Pois não. Todos aqueles quatro olhos, que demoravam para abrir pela manhã, gostaram do que viram. Ela voltou-se rapidamente, continuando seu assunto com a irmã, ele olhava rápido novamente, enquanto fingia olhar as pessoas entrando. Continua.