terça-feira, fevereiro 28, 2012

"Depois de breve hesitação, Floriano disse:
- Pois vou fazer uma coisa que há muito ando querendo fazer mas não fazia por pudor. Pois o pudor que vá para o diabo. E se o senhor reprovar o meu gesto, também pode ir para o diabo. É isto.
Segurou o pai pelos ombros, inclinou-se sobre ele e deu-lhe um beijo no rosto. Depois ergueu-se como que um pouco envergonhado de tudo.
Rodrigo, os olhos brilhantes de lágrimas, olhou para o filho e, com uma profunda e máscula ternura na voz, murmurou:
- Esse filho-da-puta...
Floriano fez meia-volta e aproximou-se da porta, já meio em ritmo de fuga, para que o pai não visse a comoção que o dominava. Quando ele estava já com a mão na maçaneta, Rodrigo gritou:
- Mas não te esqueças, rapaz, de vez em quando solta o Cambará!".
Erico Verissimo,  O tempo e o vento [parte III] 
O  arquipélago vol.3, p. 416.
Aqui termina a saga para mim, embora restem 42 páginas para o final. 
Andava meio chateado por terminar o último dos sete volumes de uma das melhores obras que vou ler pra sempre. Comecei pela necessidade de ler algo de Erico Verissimo, na tentativa inglória de ler ao menos um livro de cada grande autor brasileiro, ainda que fosse do realismo pra cá, e faltam tantos... Era na época do descobrimento pessoal do Rio Grande do Sul, com as pessoas tão legais, cuja maioria infelizmente já está indo embora, a vida é assim, vai ficar uma vaga lembrança, como sempre. E então um mergulho visceral no enredo, nas expectativas, nas inquietações, nas euforias que uma obra boa assim causa. Até que esse viés, da identificação com um expoente de cada geração dos Terra-Cambarás vinha causando, já escrevi algo sobre isso. E, por fim, a descoberta de Floriano.
Pois o autor me brinda com um final particular. No exato tempo em que o minuano me traz a necessidade do abraço do meu pai. As congruências, as confluências, as convergências. 
A saudade. Que me faz "ver" as coxilhas.
Não é tempo de escrever. 
Mas não podia deixar de fazê-lo.
Saudade de você, que viveu "com seus nervos, suas glândulas, suas vísceras, seu temperamento, seu corpo...".
E nossas testas continuam unidas na foto em preto-e-branco.