Cumplicidade
Cumplicidade parece ser sempre mais. Quando se pensa possa ser compartilhamento, é mais; companheirismo, é mais; compaixão, é mais. Cumplicidade pesquisada pelas imagens contidas na memória faz surgir um zigoto sorridente. Zigoto.
Ô, fugidia, a cumplicidade.
É anterior ao zigoto. Se valer a ideia, a cumplicidade será a união dos núcleos haploides de duas células eucarióticas mutuamente compatíveis.
Wikipedia me estraga a cumplicidade.
Apesar disso, inegável que os núcleos haploides de duas células eucarióticas mutuamente compatíveis são... cúmplices.
E formam o meu zigoto sorridente.
Comprometimento? Aproxima-me da cumplicidade.
Mas atenção! Comprometimento pra ser cumplicidade requer vontade.
Dois ladrões de galinhas de camisas listradas e bigode fino dos anos 40 continuam cúmplices enquanto durar a vontade mútua de sê-lo. Talvez o comprometimento, a contrário do compromisso, requeira, ele mesmo, vontade.
Então cumplicidade é bem próxima do comprometimento. Passa longe do dever, rela mesmo no querer.
Cumplicidade é a vontade desinteressada de se fundir. Em busca de uma célula diplóide, ou não. Ainda que inconscientemente.
Cumplicidade é largar mão, por aqueles átimos - e pra dar certo, não pode passar daqueles átimos - da própria individualidade.
Por quê? Para quê? Será que importa mesmo? Causa e efeito, nessa prosa, são acidentais.
A cumplicidade se basta. Intransita. É.
Naqueles átimos, ah, naqueles átimos, o cúmplice esquece de si e de todo o resto, a não ser o outro cúmplice.
O outro. O alter.
Cumplicidade é alteridade agarrada.
De alguma forma, então, os núcleos haploides de células eucarióticas invariavelmente se abraçam e se beijam sofregamente. E daí o sorriso do meu zigoto.
Cumplicidade é mais, sim. É mais que renúncia, compartilhamento, compromisso, comprometimento, companheirismo (não foi só vc que reparou na identidade dos prefixos), vontade, fusão, alteridade. Mas se tirarmos qualquer desses elementos, perde-se a nossa cumplicidade.
A cumplicidade é a face mais delicada e frágil do amor.
2 Comments:
Voltei aqui para reler este texto. O assunto é tão profundo, mas tão sutil que chega a ser surreal diante dos passos da vida. Sempre me senti capaz de ser cúmplice, mas como sabê-lo se o outro lado é que deve sentir tal conduta? Cumplicidade... talvez mais que apenas o lado frágil, talvez o tão almejado (e simples) segredo do amor. Falou, madureira. Como sempre. Bjs.
tudo culpa no caráter haploide de nosso núcleo... rs mas se fôssemos diploides, nos bastaríamos e daí... qual seria a graça? Acho que o negócio é irmos em busca do zigoto sorridente, sempre, seja como for.
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