domingo, fevereiro 05, 2012

Esse mundo é formado por uma infinidade de portas. Altas; estreitas; largas; com vidros coloridos, bizotados; de alumínio; de madeira-de-lei; com pátina; uma infinidade. 
Essa vida é um contínuo atravessar portas. Mesmo aparentemente parados, continuamos atravessando-as, na verdade. 
Uma das tolices mais frequentes é o fatalismo de pensar: atravessei, não tem mais volta, está atravessada. Mentira, isso.
Outros vão além e dizem com ar heroico: ainda que houvesse volta, é da minha natureza não querer. Atravessei, só penso nas portas vindouras. Mentira, também. 
Humildemente sinto que as portas são em si simples passagens. E não se trancam, uma vez passadas. Nunca. 
E também não mudam, as portas. Elas continuam uma infinidade, altas, estreitas, largas etc. Nós que mudamos. E mudamos o ambiente que deixamos, mudamos o ambiente em que chegamos.
Porque humildemente sinto: portas são passagens de um ambiente para outro.
Romântica - e irreal - a ideia de que as portas e os ambientes estão sempre dispostos sequencialmente. Minhas portas, pelo menos, ligam um emaranhado de ambientes tão ou mais diferentes entre si, que as portas. Talvez (quase certeza) se olharmos o emaranhado bem do alto, com um afastamento a la google earth, veremos aquela sequencia, retinha lá de cima, mas constituída pelo emaranhado. 
Tudo isso pra dizer que eu vou abrir uma porta e desembocar diretamente na areia, nalgum ponto do litoral norte paulista, numa manhãzinha dessas. 
Vou fazer um dos meus 100 prazeres comezinhos (a lista está aumentando), que é apenas estar na beira d'água e sentir, com o passar das ondas, os pés serem encobertos pela areia, até o final do tornozelo.
Ali, na praia, estarão inúmeras portas invisíveis, como sempre estão em qualquer lugar de nossa vida. Mas eu vou apenas estar ali, naquele ambiente, sentindo o prazer da areia molhada no tornozelo.
Na verdade, fiz isso ontem e venho mantendo, em pensamento.
Enquanto vir o horizonte e as ilhas e o céu e tudo o mais, pensarei em cada porta que poderia ter atravessado, que poderia ter parado, que poderia ter passado reto. E, também, nas que passei.
Os ambientes estarão todos ali, modificando-se a cada passagem. 
Olharei com carinho todas as portas, pelas quais verei com todo o meu amor os ambientes.
E pensarei, simples: temos todo o poder de passar pelas portas que quisermos. E, no estágio atual, temos apenas o poder de passar ou ficar. Nada mais.
É certo que ao lado do poder de passar, temos a educação de bater na porta. E se por algum motivo, a passagem não nos for dada, podemos esperar um pouco ou procurar outra porta. 
As portas, afinal, são infinitas. 
É comum dizer que sempre que passarmos por algum lugar, devemos deixar as portas abertas. Não tinha pensado nisso ao começar a escrever esse textinho. Mas o dito popular ganha pra mim nova dimensão. 
Porque é só isso que eu quero: deixar as portas abertas para os valores, para os bons sentimentos, os bons pensamentos. Para entender os defeitos, os maus sentimentos, os maus pensamentos e concluir que nada é tão bom nem tão mau assim. Mas isso é outro texto.
Neste texto, penso apenas que podemos (e, no mais das vezes, devemos) passar várias vezes pela mesma porta, o que não significa volta, retrocesso, arrependimento. Minha vida é um exemplo disso. Na verdade, é o emaranhado. E, tirando um fio de cabelo de perto do teclado, ponho-o contra a luz do monitor e sinto que todo esse emaranhado ganha a dimensão desse fio, quando estamos em paz. 
E tudo é, no fundo, escolha.
Uma boa semana a todos.