sábado, julho 18, 2009

Eu vi um caminhão azul. Ford, frente quadrada, robusto, bem usado, mas inteiro. E azul. Dei passagem, pois estava na alça de acesso para a alça de acesso da Radial à Penha. Eu estava longe de tudo o que conheço e a preferencial era do caminhão azul. Vestia meu terno usual, colete de lã pelo frio, gravata melhorzinha no meu fit e vi que estava tudo errado. Pois quando eu brincava com meu caminhão azul, de frente quadrada, robustinho, eu levava sacos de café na caçambinha para o moço de santos, de onde o café partiria para outro continente. Era assim que o meu avô explicava quando me deixava guiar a sua Toyota e aquela Toyota, junto com meu caminhãozinho azul no banco ao lado eram veículos para a felicidade. Eu jamais usaria gravata e precisaria tomar providências drásticas pra aguentar uma barra mais imaginária que os sacos de café no meu caminhãozinho, barra-fruto de desencontros entre repartições públicas que pudessem me prejudicar. Meu avô explicava: era plantar, cuidar, esperar, colher, secar, descascar, ensacar e levar para o porto de Santos, que eu não fazia idéia onde ficava. Não haveria erro. Ou os erros que houvesse, eram absolutamente administráveis.
Em Santos hoje eu sei que fica a instituição para a qual eu devo entregar uma dissertação, a qual simplesmente está pela metade, sem nenhum avanço há meses, por algum motivo perdido nos desencontros, não entre repartições, agora. Desencontros entre os meus caminhões azuis, o de plástico e aquele para o qual eu dei passagem, na alça de acesso à alça de acesso da Radial à Penha.
Dirá alguém que eu nunca guiei a Toyota, que na verdade eu apenas sentava no colo de meu avô e ele embreava, acelerava, freava e estava atento para, em qualquer movimento em falso, reassumir o volante. Dirá esse alguém que esse fit, pelo menos, eu guio e decido prudentemente dar passagem ao caminhão azul, para que ele não me amassete.
Eu replico: será?
E num segundo post começado assim, sem solução de continuidade, eu penso em Deus. Não há espaço para Deus no mundo do twitter e dos blogs, pois todos devemos ser hilários e sarcásticos. Nosso humor ácido deverá cumprir suas muitas utilidades, como demonstrar nossa inteligência e perspicácia. Assim, diremos ao mundo que somos a resistência silenciosa para as iniqüidades, sabemos lidar com elas e principalmente aceitá-las. Seremos práticos, sintéticos, cento e quarenta vezes objetivos em nossas avaliações críticas. Assim nos situaremos em nosso momento histórico e poderemos até ser retwittados e comentados.
É inadequado dizer que o que mais quero é que Deus deixe, igualzinho ao meu avô, girar um pouquinho esse volante.