quinta-feira, agosto 16, 2012

Quem são vocês? Que se recolhem nessas noites sob essas luzes amarelas e cintilantes? Assistem à TV? Ajudam os filhos nas lições? Jogam videogame? Escrevem cartas para os namorados? Dão comida pros gatos? Ouvem também folk indie rock music anyway? Ouvem bolero? Tornam-se bolero? Imaginam-se astronautas, ciganas, jogadores da NBA, mães de vários filhos? Choram uma perda, um equívoco, uma distância? Esquentam a comida pensando em quão cedo vão acordar horas depois, amanhã? Quem são vocês, hein? Que brincavam na beira da estrada quando o menino ia do interior com sua pantera e seu gibi do superman ver se precisava pôr botas ortopédicas? Quando o menino descobriu a palavra favela? O que seus pais faziam? O que aquelas mulheres conversavam? Como estão eles hoje? Deu tudo certo? E vocês? O que aconteceu com vocês? Vocês tinham suas panteras e seus gibis? Hoje vcs rimam? Somos tão diferentes assim? Quem são vocês? Que ouvem moda de viola na luz do lampião? Que sabem a chuva, o frio, a estação? Que entoam rezas e louvores e se endurecem ternamente diante do que às vezes lhes acontece? Que pitam seus cigarros de palha e matutam e decidem se é melhor vir pra cá? O que vocês esperam dos seus filhos? O que vcs fazem pelos seus pais? Quem são vocês? Miríades de alternativas, escolha-se um de vocês, do passado, do interior, das boas lembranças. Seo Remo. Seo Remo e sua oficina mágica. O cheiro da oficina. Todas as centenas de milhares de ferramentas cuidadosamente penduradas na parede de madeira. O cheiro de fumo. O colchonete roto sobre a espreguiçadeira. O cheiro do carbureto de caçar rãs. As décadas guardadas em objetos enferrujados, bem dispostos. Seo Remo, no que o senhor pensava? Por que insistiu todas as vezes necessárias até que aquele menino tímido aceitasse a fatia de mortadela com limão? Por que o menino lembra trinta e tantos anos depois do sorriso largo por tê-lo convencido a aceitar? Talvez porque naquele dia, seo Remo, o menino tenha feito amizade com seus filhos e, desde então, não saía daquele beco com aqueles moleques todos, todas as férias e finais de semana possíveis, jogavam basquete, taco, pipa, barquinho no rio, polícia e ladrão, pega, esconde. Foi ali, seo Remo, que o menino salvou aquela bola da tacada certeira, ainda que tenha se esquecido por um instante da existência do muro da casa do avô na calçada e nele tenha impresso seus dois joelhos peito e cara. Mas agarrou a bola. Ganhou o jogo e tema pra vários posts. Fizeram um dia vaquinha e foram à farmácia comprar Capiloton, e passaram esperançosos cada qual no seu respectivo baixo ventre, pra ver se nasciam logo os pelos. Seo Remo, o menino lembra do cheiro da oficina. Mas me diga, no que o senhor pensava? Nunca pareceu triste, nem alegre, não aparentava nada além da mais absoluta serenidade. Era o senhor um zen budista socorrense, seo Remo? O senhor pensava no futuro ou no passado, seo Remo? Hoje o senhor é uma luz amarela e cintilante, assim como as outras ao redor, que iluminam o beco e, ampliando, as ruas próximas, o centro, a cidade. O senhor é bom, seo Remo. E o senhor faz parte desse mundo de pessoas, que se recolhem em noites como essa. Quem, afinal de contas, são vocês?