quinta-feira, julho 26, 2012

Numa espiral multicolorida, sob o som de um órgão ou coisa assim, ingerem-se planetas e cometas e assim se vê. Se vê. Se vê. O sorriso, marca registrada; o sentimento modificando-se, duramente, penosamente mas sem nunca esmorecer. Vê-se mais, muito mais, o que não pode mais ser, infelizmente, escrito. Vê-se antes, a estrada de terra sendo engolida pelo vidro da eterna toyota do avô, que dirige com as pequenas mãos, em êxtase. o fumo de corda sendo picado pelo outro avô, a palha alisada com o canivete velho em seguida todo o ritual terminar em fumaça e risada gostosa (admira-se não ser fumante). A avó chama para a cozinha com o cheiro de coisas gostosas na mesa. Troca-se facilmente todo o cardápio do Epice por cinco segundos daquele cheiro. Sente a água do mar da ponta de Corumbau subindo centímetro a centímetro do corpo na medida dos passos. Os passos que se dão sobre passos, no Caminho, do queijo da aldeia celta até o Fim do Mundo. Vê o mundo pelos ciscos formados pela luz do sol na fresta da janela; ouve os ciganos que o levariam embora se não parasse quieto. Vê o mundo do céu, sob o mar, da caverna, dos ombros do tio Filo, da janela, da trilha, vê de olhos fechados pelo beijo úmido e morninho, se vê na menina dos olhos da menina. Se vê nos retratos das pessoas que se foram, na potencialidade das pessoas que virão. Vê mais. Vê a ira tomar conta de seus braços e pernas que golpeiam. O medo da morte no penhasco cercado de água brava. Na suposta arma que contra si apontam não vê medo, vê uma estranha quase-paz. Vê a terra cobrindo a carne das pessoas que já se foram para onde ainda vai. A terra que cobre alguns de seus sonhos, sim, não se vai mentir nem se omitir nada do que se pensa agora. O sal da lágrima vertida é o sal na salada do peixe do paraíso, que é o mesmo sal do seu suor. O receio de se perder a lucidez. O sangue do joelho contra o muro para evitar uma bola perdida no jogo de taco. A palavra estranha e satisfatoriamente firme diante de um juiz prepotente. A felicidade na forma de par de enormes olhos azuis que envolvem uma vozinha fina que suavemente chama: dindo. O contentamento da oportunidade sonhada e prontamente atendida de ajudar com o que sabe um povo diferente do seu. O sabor de um pudim de leite. A vertigem do álcool da caipirinha do churrasco no Alto do Jaraguá. O riso largo de Dona Almerinda. O céu da Bela Vista, ainda mais bela quando vista só. Quando vista só, faz lembrar mais fácil das procissões, dos saquinhos de papel com doces de batata, dos leilões de frangos e revólver, das modas de viola, das pingas, do sono e vontade de ir pra casa logo, bem verdade. Um corpo nu de mulher indo buscar alguma coisa na cozinha. O gosto do vinho ruim de um momento bom. O céu estrelado. A estrela do céu. A chuva no peito da caloi cross veloz da rua deserta, os gritos de euforia. O estranhamento calmo, sutil e revelador com a presença da monja no templo. A chapada diamantina. A prosa de Satu, do Domingos, do Igi da Lege, do Irmão Tadeu. A paz úmida e acolhedora do chão de terra do Evangelho do Irmão Tadeu. O pão de queijo animado do Irmão Tadeu. A revelação de Neusa, agora há pouco. O perdão. A perspectiva. O abraço protetor do pai. O olhar desfocado no espelho, até a identidade se desconstruir. A energia da manhã no sítio. A energia do entardecer na Pedra. A estrada engolida pelo jipe, a euforia que toma conta num ponto perdido entre dois parques recheados de canyons. A felicidade do acerto do tiro da pistola no alvo de metal A decisão de destruir a própria arma, na certeza de que nenhum crime será com ela cometido. Cada marretada no metal negro trará para dentro do ser a energia da paz. O olhar amistoso e sério do cacique, a liberdade de se exercer a profissão finalmente com a até então perdida convicção. A decisão de não mais comer chocolate belga. A decisão de tomar uma dose de Netuno sempre que Netuno houver. Agora, por exemplo. A improvável continência de Netuno na tacinha da catedral de Santiago de Compostela. A estranha sensação de ser um estrangeiro no seio da maior parte de sua família maior. Mera questão de desafinação. A gostosa sensação de sua família mais próxima ser um organismo, formado pela união indissolúvel de pai, mãe, irmã e irmão. Quem um dia de algum modo dela fez parte, ouça bem, sempre parte dela fará. Vê mais, viu... vê os momentos de abatimento, seguidos pelos momentos de força, confiança e fé.

3 Comments:

Blogger Rejane Moreno said...

Se vê. Se vê no outro, com os olhos abertos e sedentos de cor. Se vê, e vê, analisa, guarda, junta, separa, escolhe, esquece. Ou não. Mas depois, fecha os olhos e abre o coração. Posiciona a mente no canto do corpo, e vê tudo de novo. Vê no escuro, com o tato da alma, aninha no peito a informação. Entrega, suspira, vê mais, até o fundo do que se pode chegar. E junta os pontos. Junta o fora, junta o dentro, mistura, aumenta, muda, recria. E então emerja. Na volta da escuridão, o suspiro vem manso, dizendo que tudo é ainda mais belo. E isso porque só com os olhos fechados é que "isto" ou "ele" se torna efetivamente "nós". E como é bom fazer parte da paisagem...

12:34 PM  
Blogger Madureira said...

Aêêê!!! Deu certo!! Agora, sim rsrs.

3:59 PM  
Blogger Rejane Moreno said...

Pois é... Vai entender os motivos e artimanhas do Universo... Beijos.

11:01 AM  

Postar um comentário

<< Home