terça-feira, outubro 11, 2011

Um passo após o outro. A poeira. O cheiro das vacas. O ruído compassado do bastão no chão batido. O peso da mochila enviesando pra um dos lados. O reequilíbrio com o mosquetão. O suor no boné. A paisagem deslumbrante. O gole da água, a água na boca, a água descendo pelo esôfago até o esquecer da água. A conta rápida sobre que horas seriam aqui. A pausa para uma foto. O inflar do peito. Eu estava ali. Eu estava ali. Já tinha se mostrado uma experiência intensa, bem intensa, desde a noite anterior. E seria o começo. Inesquecível, não se pode fugir da palavra correta. Problema dos que a banalizaram. A experiência tinha sido, estava sendo, seria ainda mais, foi, inesquecível. Uma vivência. Gosto dessa palavra. Meu gostar não importa muito nesse tema, pois também gosto muito da palavra boleto. Vivência. E todos vocês, de certa maneira, desfilaram no meu pensamento, naqueles dias todos. Dias inesquecíveis. Reclamam quando me perguntam como foi e eu só respondo desgraça. Lamento não perceberem a intensidade da experiência. O fato deve-se a mim também, pois não consigo contar o que escrevo assim. E o que aconteceu foi muito mais do que escrevo. Vou contando aos poucos. Bem aos poucos. Tenho a vida inteira pra relembrar e contar. E, claro, voltar lá. Porque vou voltar. Impossível não voltar. Dizia que vcs todos desfilaram na minha mente. O tempo. Saber que teria o tempo todo do dia a meu dispor era muito bom. Comeria a hora que sentisse fome, beberia ao sentir sede, pararia quando me cansasse. Responderia a quem puxasse assunto comigo, em que língua ou gestual fosse. E assim foi. E vieram suecos, dinamarqueses, alemães, americanos, brasileiros, argentinos, japonesa, inglesas, espanhóis, muitos espanhóis, italianos, portugueses e tantos outros. E fomos falando. As imagens. As imagens ao redor, lindas. As imagens que inventava. Um feixe de luz branca saindo da cabeça de cada um de nós, desde debaixo do solo até o infinito. Quem visse essa imagem, fora da trilha, veria uma cortina branca de luz cortando o norte da Espanha, desde a França até o Atlântico. Jerez de La Frontera, Sevilla, Barcelona, Madrid, La Coruña, Salvador. Natais dos meus conhecidos mais próximos. A liberdade. O "segue no seu ritmo". Estávamos juntos, mas íamos livres. Individualidades conviventes. Vão em paz, vou ficar nessa cidade hoje. Outros vinham. Se o caminho quisesse, nos reencontraríamos. Reencontramo-nos, alguns. O facebook e o msn fazem o resto. Cada um segue nossas vidas anteriores. Não encarnações. As vidas antes de setembro de 2011. Retomamos. Iguaizinhos e diferentes. As sementes no peito. Vamos nos esquecer uns dos outros. As fotos nos farão ter a vaga lembrança. Ainda vale: se o caminho quiser, nos reencontraremos. Outros virão. La caña, los pulpos, el vino. El futuro. La incertindumbre. Las risas. La vivencia. La convivencia. As perguntas sobre o Brasil. As vontades de conhecer. Mas vc veio de tão longe! Come mais um quadradinho de chocolate. Tudo vai ficar melhor. Pra todos nós. A Idade Média. O porvir. Ruínas pré-românicas. A Igreja. A Coca-Cola. Os senhores tristes. Os touros. O estar de camisa vermelha na Espanha diante de um touro. Os flashes dos desenhos animados, sobre touros e toureiros. O touro olhando de soslaio antes de fugir. O enfrentamento dos medos, das ansiedades. A oração pessoal, gravada para todo o sempre. A leveza indizível. A postura peregrina. O agradecer, ao invés de ('ao invés de' mesmo, não 'em vez de') exigir. A descoberta de que a sobrevivência digna e feliz pesa menos de sete quilos suportados por duas alças em suas costas. A música reggae do grupo cigano. O não ter uma moedinha pra por no chapéu da moça dançarina. O andar pelas ruas com a moedinha na mão para compensar o momento do dia anterior. O não encontrar os ciganos e o rir alto ao pensar que o caminho não quis, antes de inserir a moedinha na máquina de refrigerantes. O não perceber nada nada nada sobrenatural. O reconhecer a grandeza do natural. O suspeitar que tudo é natural e é assim e pronto e acabou e já é muito. O caminhar enfileirado, com a formação: Jesus; Santiago, São Galvão e São Bento; Vô, Vó, Vô e Vó; Tio Filo, Eu, Pai e Paulo Bastos; Anjo da guarda; São Jorge. Meu exército invencível. O dispersar do pensamento, por um corvo. A retomada do mesmo pensamento, com outra formação. O não-pensar. A segunda redução, radicalização dos conflitos. As descobertas daí derivadas. A segunda Chapada dos Guimarães. A tríade 1975-1997-2011. O procurar e reconhecer o mundo celta, além das estampas das camisetas. A espiral celta estampada na camiseta e impressa nos olhos fechados. A música galega. A avó falando algo sobre galego lá, bem lá, atrás. O conhecimento maior do corpo. E, vá lá, da alma também. O testar o limite físico. O temor. O desprezo. O risco. O riso, uma vez mais. A insistência. O alcance do objetivo. O muito mais. O mais do mesmo, diferente. O infinito.

Dedicado ao peregrino Ferreirinha.

1 Comments:

Blogger Joi said...

Ôh lindeza!
Que experiência inesquecível. O bonito da vida é quando a gente percebe que tá no momento certo, no lugar certo, fazendo a única coisa que poderíamos estar fazendo.
Seu post me deixou com essa sensação.
Feliz por vc, Nelsinho.
Beijo!

11:13 AM  

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