domingo, maio 09, 2010

A dúvida se desfez na primeira cena, Joicinha: eu já tinha assistido Elizabethtown.
Ter visto novamente, hoje,08 ou 09.05.2010, trouxe a vontade de vir pra cá contar umas prosas pra vc.
Em 2005 eu não não perderia jamais meu Mittchel Baylor. Ele era imortal, até o dia do meu aniversário, ano seguinte, quando dei uma saidinha do La Cumparsita pra contar, de um orelhão qualquer de San Telmo, que os caras da casa lembraram dele (afinal, ele era um Mittchel Baylor, Joicinha) e, nesse telefonema, eu pressenti pela voz trêmula de minha mãe, somada a uns 37 "tá tudo bem" sem eu ter perguntado nada, que nem tudo que é bom na vida é pra sempre.
Provavelmente em 2005 eu tenha assistido como a mais uma das tantas comédias românticas que a Alê adora e em cujo tempo eu gasto pra comer pipoca e prestar atenção na trilha. E que trilha esse tem, hein? vc está com a razão.
Hoje não, Joicinha. O filme tem muito mais coisas a ver, mas são coisas inadequadas a um blog. Sei que Cameron Crowe, notável por lascar canções de tom petty num carro dirigido por um americano aparentemente irrelevante (a ironia de Crowe, essa irrelevância?), fez um brasileiro melancólico e com saudade do pai pensar bastante na vida e ter vontade de escrever sobre isso.
Em 1997 começou o meu gosto por viajar sozinho ouvindo música boa, a teoria da libertação do filme. Chapada dos Guimarães foi meu destino, com umas latinhas eu sou capaz de traçar um bom roteiro, de cabeça. Como aperitivo, ao chegar ao centro geodésico da américa do sul, ouça a faixa 12 de eletric soup, de hoodoo gurus, in the middle of the land, talvez a maior das coincidências que coleciono. Joicinha, tua carta acaba aqui, beijão e valeus!
*
Porque agora o meu papo é com o senhor, seo Mittchel Baylor de Itápolis. Quando vc morreu, meu amigo Daniel avisou algo como: isso não melhora, vai ser sempre assim. Gostei da sinceridade, fugidia do lugar-comum que o tempo leva tudo.
Leva o escambau.
Eu vou fazer um garrafão de basquete no lugar onde vc queria construir a garagem, pode xingar. Não tem sentido fazer a garagem lá longe, pai, pensa bem. Deixa os carros onde estão, vc viu que eu pus a pampa enviesada, vai dizer que não ficou bom?
Vc sabe que eu adoro cochilar na sala que vc bolou. Não escuto o som, mas deito naquele sofá, onde ouvimos os tangos de logo quando cheguei de buenos aires e vc me deu a pior notícia de toda a minha vida. Não, sem pensamento ruim, eu gosto da sala porque vc planejou do teu gosto e, realmente, é o cômodo mais legal da casa. Briguei com a mamãe porque ela tirou os quadros que vc tinha colocado, mas ela mandou bem, pôs todos os teus títulos na parede. Eu não olho com orgulho nobiliárquico provinciano, que vc mesmo dizia ser bobagem. Mas penso no que te deixava feliz: o tanto de coisa boa que vc construiu, pra cinco cidades te homenagearem sinceramente, uma das quais vc aposentado há mais de catorze anos. Vc foi um cara de construção.
Conto sempre de quando a gente estava saindo de uma audiência no João Mendes e vc apontou pro outro lado da rua - pro TJ - e disse com voz enigmática: hoje era pro pai estar lá. Perguntei se vc se arrependia e vc falou que não, claro. Que vc sempre quis trabalhar com pessoas, não com papéis. Que coisa boa de ter ouvido do próprio pai. Eu disse, então, que os caras de Atibaia não mereceram o teu esforço, pelas puxadas de tapete que vc tomou depois de aposentado, e tal. E vc riu e respondeu que não fez nada pensando eles, tentou fazer pelo povo, esse sim, merecedor de todos os esforços. E eu, mais uma vez, pensei: que coisa boa de se ouvir do próprio pai.
Que coisa boa vc ser meu pai, pai.
Uma dessas terças, o Marcio estava comigo na ponta da mesa e falou pro Roberto: ele é a cópia do pai dele. Pedi pra ele desenvolver a ideia, ele se referia ao jeito de falar, sentar, tomar cerveja, essas coisas. Talvez minha analista não goste muito disso, mas eu segurei no ombro dele e falei que essa era uma ótima coisa de se ouvir. E eu estava já com umas sagatibas com originais pro peito, foi só suspiro de saudade.
Pai, pra quem que eu dou as tuas coisas de pescar? Tem que ser alguém legal e que goste de pescar. Judiação ficar as coisas lá em casa. Ofereci pra um cidadão, mas me arrependi e não vou dar nada. Eu tenho que ter plena confiança no pescador, cujas mentiras deverão se deter no tamanho dos peixes. Me sopra aí no ouvido, eu intuo.
É vc que me faz lembrar as coisas importantes na última hora? Tenho quatro suspeitos: Vc, o tio Filo, o Dr. Paulo ou meu anjo da guarda. Ou seriam vcs todos, revezando? Olha a cacheta, hein? Não desvirtua meu anjo não.
Ah, pai, vc sabe de tudo. Sei que não aprovaria algumas coisas. Mas quero ver qual é que é, sabe? Algumas dessas algumas, estou começando a desencanar, vc também sabe. O mundo tem que girar. Eu vou melhorar, viu, pai? Olha por mim!
Escrevi um post essas semanas falando de relance do São Jorge. E do Oxóssi. Eu sou a flecha de oxóssi, meu pai.
Eu vou melhorar, evoluir.
Por mim e por vc tbm.
Te amo, viu?