A música que ouço
Mesmo sem letra me diz
Que tem água gelada correndo no filete
Me lembra
Que tem ar frio que arde a narina quando inspirado cedinho
Tem cheiro de bosta de vaca
Que não é bom, mas também não é ruim.
Tem orvalho no matinho que umedece a barra da calça
Tem os cantos todos dos pássaros, os mugidos, a moda baixinha no rádio AM
Essa música que ouço pede que lhes diga
Que essa remissão toda
Não é pra ficar bonito
Nem pra fazer graça
É laço no dedo, relógio no pulso errado
É anotação pregada com durex no espelho do banheiro
É um lembrete de que a nossa vida está lá fora.
E que isso tudo daqui de dentro desse apartamento
Dentro da prefeitura
Dentro dos fóruns
Detrás das mesas todas, emparelhadas, girando rápidas
Isso tudo aqui é instrumento.
Que como tal serve
A uma finalidade
De modo que não adianta banzo
Não adiantam loas
Nem lamúrias
Ainda que cativo
Adianta apenas lutar pela nossa liberdade.
E, se livre,
Exercê-la de verdade.
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