Quando finalmente se cansou, sentou-se no próprio caminho e percebeu. O ar, de puro e frio, ardia-lhe as narinas, o céu claro e aberto fazia-se de estrelas além das copas escuras. O ruído da água confortava e convidava. Mas decidiu por apenas sentar-se no próprio caminho e perceber. Siriema longe e vento. Ele queria sua vida assim, escrita de maneira linear, descritiva, singela, ele queria ser a um tempo uma redação escolar e os sentimentos despreocupados que um dia teve o redator. Tirou tênis e meias, fincou-os na areia e fe-los raízes. Nutria-se do planeta e pareceu ouvir a guitarra cantar into the great wide open. Deliberou ignorar Kant e os outros para agir sem filtros e, então, fincou igualmente suas mãos na areia, lembrou-se dos ensinamentos de sua namoradinha de um dia, quem tem signo terra precisa de terra, ou algo assim, em suma, bullshit. Mas nada lhe era inútil aquela manhã, tudo podia ser verdade, impossível errar ali. E então tirou seu anel e sua aliança e sua corrente, enterrou-os metais para testemunharem o momento, para sempre lembraria ao girar a rolemãzinha do anel em seu dedo. Com seus metais recolocados adquiriu energia extra. Nesse ritual de iniciação improvisado, repassou o cineminha que dirige desde 75 e sentiu-se areia, água, som de siriema, copas altas e, fundamentalmente, ar. Até porque a namoradinha de um dia advertiu que após os trinta quem manda é o ascendente, ou algo assim. Traçou metas e, meses depois, verifica que cumpriu as mais próximas todas. Por que então não cumpriria as demais? A tendência e a intenção é cumprir. E essas palavras devem ser primas, pensa agora. Experience slips away, the innocense slips away, decreta-lhe Geddy Lee. Lembra agora de quem e o que realmente é, de maneira reducionista, quase concretista, o velho lance de filho, irmão, marido, amigo... sua vida em videoclip, numa redação escolar, pelos olhos puros, carinhosos e inocentes de seu velho cão.